Gosta de Poesia??? Então conheça a "Prosa" de Manoel de Barros (O Poeta do Pantanal).
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Gosta de Poesia??? Então conheça a "Prosa" de Manoel de Barros (O Poeta do Pantanal).
Sobre sucatas
Isto porque a gente foi criado em lugar onde não tinha brinquedo
fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos:
eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. Também a
gente fazia de conta que sapo é boi de cela e viajava de sapo. Outra era
ouvir nas conchas as origens do mundo. Estranhei muito quando, mais
tarde, precisei de morar na cidade. Na cidade, um dia, contei para
minha mãe que vira na Praça um homem montado no cavalo de pedra a
mostrar uma faca comprida para o alto. Minha mãe corrigiu que não era
uma faca, era uma espada. E que o homem era um herói da nossa
história. Claro que eu não tinha educação da cidade para saber que
herói era um homem sentado num cavalo de pedra. Eles eram pessoas
antigas da história que algum dia defenderam a Pátria. Para mim
aqueles homens em cima da pedra eram sucata. Seriam sucata da
história. Porque eu achava que uma vez no vento esses homens seriam
como trastes, como qualquer pedaço de camisa nos ventos. O mundo era
um pedaço complicado para o menino que viera da roça. Não vi
nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que
tudo que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o
que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata.
Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que uma nave
espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.
O apanhador de desperdícios
Uso as palavras para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo inseto mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as moscas.
Queria que a minha voz tivesse o formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Isto porque a gente foi criado em lugar onde não tinha brinquedo
fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos:
eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. Também a
gente fazia de conta que sapo é boi de cela e viajava de sapo. Outra era
ouvir nas conchas as origens do mundo. Estranhei muito quando, mais
tarde, precisei de morar na cidade. Na cidade, um dia, contei para
minha mãe que vira na Praça um homem montado no cavalo de pedra a
mostrar uma faca comprida para o alto. Minha mãe corrigiu que não era
uma faca, era uma espada. E que o homem era um herói da nossa
história. Claro que eu não tinha educação da cidade para saber que
herói era um homem sentado num cavalo de pedra. Eles eram pessoas
antigas da história que algum dia defenderam a Pátria. Para mim
aqueles homens em cima da pedra eram sucata. Seriam sucata da
história. Porque eu achava que uma vez no vento esses homens seriam
como trastes, como qualquer pedaço de camisa nos ventos. O mundo era
um pedaço complicado para o menino que viera da roça. Não vi
nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que
tudo que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o
que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata.
Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que uma nave
espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.
O apanhador de desperdícios
Uso as palavras para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo inseto mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as moscas.
Queria que a minha voz tivesse o formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Prof. Alex- Mensagens : 39
Data de inscrição : 18/09/2008
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